O ovo do coelho   

Jarismar Oliveira (Mazinho) — Colunista
“A ilusão é uma fé desmedida”. (Balzac)

Para onde rumamos, ensandecidos pelas ilusões que alimentamos? Se tudo já é ilusão, porque persistimos em ainda criarmos mais e mais ilusões? O real e o abstrato já são tão relativos ao ponto de não mais distinguirmos um do outro? Só mais uma pergunta: você acredita que coelhos botam ovos?

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Chegamos a mais uma páscoa. E assistimos a mais um espetáculo de horrores midiáticos com as propagandas de um tal “ovo do coelho da páscoa”. Gente, se nem a coelha põe ovos, que dirá um coelho! Mas, essa discussão é inócua. A nenhum lugar leva a não ser para onde já estamos: em um mundo repleto de miséria, fome, pandemias, guerras e ilusões, muitas ilusões!

Porém, algum respeito às ingenuidades precisa ser considerado. Para quem acredita em um velhinho deslizando em céu noturno, dando voltas no globo a bordo de um tobogã tracionado por renas (sem asas!), onde uma delas, de nome Rudolph, tem uma lamparina vermelha na ponta do nariz – para guiar as outras oito pelo longo trajeto da órbita planetária – e tudo isso em uma epopeia de distribuição de presentes aos bambinos humanos… acreditar em um coelho ovíparo é fichinha. Aceitemos.

Contudo, usemos da sobriedade ao menos em um parágrafo.Vejamos:a aproximadamente 3.500 anos passados os hebreus instituíram, por ordem de Javé, a pessach judaica após a visita do anjo da morte antes da décima praga egípcia, aquela mortandade infantil que antecedeuolibertar-se da escravidão no Egito e, logo após,a caminhadaao longo de 40 anos no desertoaté a terra prometida. Que símbolo bíblico poderoso: a passagem de um jugo tirano para a liberdade, sob a orientação divina! Viva a páscoa!

Esta mesma simbologia da Páscoa judaica ou Festa da Libertação chegou para os cristãos transmutando-se na forma da crucificação e morte de Yeshua Hamashiach e a ressureição,no terceiro dia sepulcral, desse messias judaico. Mas, somente em 325 d.C. o Concílio de Nicéia determinaria o primeiro domingo, após a lua cheia do equinócio de primavera,  como adata comemorativa da vitória de Yeshua, o Cristo, sobre a morte. A fuga hebraica do cativeiro no Egito, agora assumira asimbolística extraordinária da vitória sobre a morte, ou seja, a passagem agora é mais longa e para a eternidade, norteada por Jesus,o Cristo. Um pouquinho de história para desenfadar da chatice das primeiras alíneas.

Voltemos ao “ovo do coelho”. Até aqui, nada me ocorreu sobre onde estaria escondido o coelho e, principalmente, os seus ovos nessa história de mais de três milênios. Nem os hebreus, nem os contemporâneos do messias nazareno nos deixaram nenhuma dica de como um coelho bota ovos, tampouco quando eles se transfiguram em chocolate. Se alguém souber, favor informar. Instigante.

Os judeus não saboreiam o “ovo de chocolate do coelho”. O ovo (real) após cozido é um dos únicos alimentosque mantem a mesma forma. E isso, simbolicamente, retrataa preservação da identidade judaica após grande sofrimento. Parece-me que “ovo de chocolate do coelho” não traz em sua figuração essa mensagem. Mas, posso estar equivocado. O que tu achas?

Talvez tenha eu dificuldade em divagar nessas ilusõesde renas voadoras, velhinho bondoso que não dá rasantes nas terras africanas, de ovos de coelho (se ao menos fosse um ornitorrinco!) …Mas, algo me incomoda, temo que as grandes reflexões do nascimento, morte e ressureição do maior dos cristãos, o próprio Cristo, está sendo relegada a segundo plano com as presenças marcantes das ilusões humanas. Coelhos botando ovos de chocolate… onde já se viu!? Pode até ser uma cândida ilusão. Mas, está avançando sobre um espaço sagrado, o da verdadeira reflexão quanto ao sentido de viver e preparar-se para a passagem.

Mário Quintana disse que “um poema que não te ajude a viver e não saiba preparar-te para a morte não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras.” E eu te digo que um ovo de chocolate que não te faça refletir sobre a tua existência cristã e a tua inevitável passagem dessa vida para outra, não tem sentido: é uma mera guloseima a te atiçar as taxas glicêmicas e surrupiar o teu sofrido bolso.Feliz páscoa!

Por: Jarismar Oliveira (Mazinho)