O fenômeno do bullying no contexto escolar

Giovanny de Sousa Lima — Colunista
Giovanny de Sousa Lima

Resumo: Este artigo tem por objetivo preponderante, possivelmente, gerar reflexões sobre os múltiplos aspectos que envolvem o bullying, de forma mais precisa, no contexto escolar. Esta expressão de origem inglesa evidencia tipos específicos de produções e manifestações de violências, que infelizmente tem evoluído em inúmeras instituições escolares, acima de tudo, no Brasil. O bullying é uma anomalia sociocultural que existe no plano não apenas local, regional e nacional, mas também na esfera mundial, sendo também presente em vários outros países da América Latina, Europa Ocidental e Ásia. As práticas de bullying deixam evidentes a vasta literatura sobre o assunto, que tal fenômeno é tão antigo quanto a própria instituição escolar. O que tem sido caracterizado como nefastas, impactantes, multifacetadas, são as novas e terríveis práticas do bullying, representadas pelo ciberbullying, por exemplo. Com a eclosão de uma pluralidade de danos, realmente impactadores das aprendizagens de crianças, adolescentes e jovens, e potencialmente comprometedoras dos seus processos de desenvolvimento, para além do aspecto cognitivo. Neste artigo ficam elucidados elementos constitutivos deste fenômeno social, sua tipificação, inserção no contexto escolar, causas e consequências, processos de prevenção, indicativos de prováveis soluções para tal complexo, desafiador e atual problemática e crise nas escolas, produzidas pelo fenômeno citado.

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Historicamente, o ambiente escolar é o locus preponderante onde se materializa a educação formal, sistematizada, científica. É no seu contexto ainda que são desenvolvidas significativas, fecundas e decisivas interações entre as crianças, adolescentes e jovens. A escola é, portanto, uma das instituições mais importantes da história da humanidade. Todavia,tal fato não a torna imune de tensões, conflitos, contradições e problemas concretos, como o bullying, que merece, evolutivamente, ser estudado, supervisionado e, político-pedagogicamente, enfrentado, obviamente com envolvimento efetivo e ativo da comunidade escolar.

O bullying é uma das mais graves expressões que se faz presente nas instituições escolares públicas e privadas. Como a escola não possui uma configuração de uma bolha de sabão, que flutua no ar, acaba sendo reprodutora dos conflitos, deformações socioeducativas e culturais, desigualdades sociais, contradições e mazelas, diretamente engendradas pelo modo de produção capitalista – no caso brasileiro: dependente, concentrador de renda e riqueza, gerador de profunda exclusão social, associado e semiperiférico. O bullying deriva, portanto, também deste modo de produção citado, onde a ética, a moral, e os valores fundamentais para o bom convívio social, não são ensinados e cultuados como poderiam e deveriam, principalmente no contexto da sociedade brasileira.

O bullying é constituido, ou corporifica-se, por atitudes ofensivas, constrangimentos, intimidações, difamações, exclusões, agressões físicas e/ou verbais, programadas ou planejadas, preconceitos e discriminações repetitivas, produções e manifestações repetitivas de intolerância. As ações do bullying, geralmente, são intencionais, violentas e repetitivas, onde os agressores, geralmente, detentores de maiores poderes, escolhem as vítimas, que são mais fragilizadas, vulneráveis, e não conseguem se defender dos protagonizadores de tão nefasta prática social. Alguns, inclusive, passando a vivenciar não apenas danos físicos, mas, acima de tudo, emocionais, psicológicos. A Saúde Mental destes é fundamentalmente afetada.

Conforme FRICK (2016, p. 12), sistematicamente revelando as estratégias de prevenção e contenção do bullying nas escolas: as propostas governamentais de pesquisa no Brasil e na Espanha, já na introdução de sua fecunda e sistematizada tesa de doutorado, deixa evidente que:

No Brasil, por volta dos anos 2000, pesquisadores começaram a desenvolver estudos sobre a temática (FANTE, 2003, 2005; LOPES NETO, 2005). A partir de então, têm sido divulgadas inúmeras pesquisas que comprovam a incidência do bullying, tanto em escolas particulares quanto públicas (FANTE, 2005; FISCHER, 2010; FRANCISCO; LIBÓRIO, 2009; FRICK, 2011; LEME, 2006; MASCARENHAS, 2009; TOGNETTA, 2013; TOGNETTA; VINHA, 2010). Da mesma forma, a atenção ao fenômeno na mídia brasileira tem crescido consideravelmente (NASCIMENTO, 2013). Ao se colocar o bullying em evidência, como um problema existente nas escolas, emerge a necessidade de sua superação. Agentes escolares e a comunidade em geral passam a cobrar providências das autoridades políticas e do sistema educacional. No entanto, a realidade evidencia uma grande distância entre este problema e políticas de superação do mesmo no Brasil. Estudos têm demonstrado que enquanto os alunos seguem ameaçados, intimidados, excluídos, humilhados ou menosprezados, por seus pares, as autoridades escolares continuam sem perceber que de fato há um problema (TOGNETTA et al., 2010). Quando se fala em violência, as autoridades parecem se preocupar mais com problemas de indisciplina, oriundos da transgressão às normas impostas pela autoridade do professor ou da escola, ou seja, com problemas na relação aluno/autoridade, do que com a violência entre pares.(FRICK, 2016, p. 12).

Tais concepções são, transparentemente, reveladoras de que o fenômeno do bullying vem, de forma evolutiva e sistemática, sendo estudado e debatido pela comunidade científica nacional, acima de tudo, pelos principais pensadores da Educação Brasileira. Tal problema é real, crescente, e não pode ser negligenciado pelas autoridades e instituições educacionais do nosso país. Há que se investir, mais amplamente e de forma planejada, na formação continuada, principalmente, de gestores escolares, coordenadores pedagógicos, assistentes sociais, supervidores escolares, orientadores educacionais, professores em geral, educadores sociais, inspetores e secretários escolares, no sentido de tais setores se apropriarem de conhecimentos e saberes, fidedignos e abrangentes,sobre o fenêmeno do bullying e, principalmente, a materialização dos processos de prevenção para o seu enfrentamento e superação. No contexto da imensa maioria das escolas brasileiras há um evidente despreparo, desqualificação, para a identificação e tratamento eficiente e eficaz de todos os aspectos que envolvem o multidimensional e nefasto bullying. E isso precisa ser equacionado, através do redimensionamento das políticas públicas. É necessário que se priorize, no corpo destas, a Educação em Direitos Humanos e para os Direitos Humanos; a Educação para a Paz e a Cultura de Paz; e que assim sejam operacionalizadas, como componentes do currículo escolar de toda a Educação Básica.Assim procedendo, talvez avancemos na prevenção, combate mais coerente, e superaçãodo bullying.

Considera-se relevante destacar ainda o que FRICK (2016, p. 31-33), com bastante propriedade, elucida sobre três categorias essenciais para que tenhamos uma melhor compreensão da estrutura organizacional e operacional do bullying, assim expresso:

Perante o exposto, depreendem-se três critérios considerados fundamentais, por muitos autores, para caracterizar uma ação agressiva como bullying: a intencionalidade, a repetição e o desequilíbrio de poder. Segundo Olweus (2013), o conceito de agressão implica a intencionalidade ou o desejo de produzir um dano ou desconforto em outra pessoa. Essa característica do conceito tem sido questionada por alguns pesquisadores que sugerem uma preocupação com esse critério, perguntando, por exemplo, como saber que o autor realmente tem a intenção de prejudicar o outro, e se este critério é parte da definição; questionam se o investigador não deviria encontrar um modo de certificar ou documentar que tal intenção realmente existe. Sobre tais dúvidas, Olweus (2013) explana que a questão da intencionalidade tem um grande histórico de discussão entre a literatura que estuda agressão, e que as avaliações sobre comportamentos agressivos, normalmente, não contêm perguntas direcionadas ao autor sobre sua intencionalidade, sendo esta analisada e compreendida no contexto da situação. Explica ainda, que se o autor do ato reconhecer/assumir que sabe que sua ação será percebida como desagradável, angustiante ou nociva para o alvo, tal consciência presumida para o autor é suficiente para classificar a agressão. A percepção do alvo sobre a situação e os motivos de tal comportamento também são consideradas nesta avaliação. Para Tattum (1997 apud GUERIN; HENNESSY, 2002) era a percepção do alvo, e não do autor, que deveria ser considerada para definir um incidente como bullying. Mas isso parece ficar claro nas explicações de Olweus (2013). O critério da repetição é considerado por muitos autores como fator chave para conceituar determinada ação como bullying. No entanto, é preciso atentar-se para esta afirmação. Para Olweus (2013), o principal motivo para se incluir esse critério no conceito é que pela repetição torna-se mais certo afirmar que este comportamento não é casual, ou seja, é realmente destinado ao alvo. No entanto, o autor afirma que nunca havia pensado nisso como um comportamento absolutamente necessário. Embora explicite este critério em textos anteriores.(FRICK, 2016, p. 31-33).

Verifica-se, concretamente, a partir de tais formulações, que o fenômeno do bullying produz consequências, acima de tudo, gravíssimas para suas vítimas, devido à intencionalidade, a repetição e o desequilíbrio de poder, geralmente exercido pelos protagonistas de tão nocivas práticas. A associação de tais componentes nefastos robustece, de forma bastante negativa, os conteúdos e operacionalizações do bullying, causando impactos profundos nas vítimas.

Para um melhor entendimento deste conteúdo, opta-se por embasá-lo com o conceito de bullying, muito bem destacado por CHACON (2023, p. 22-23), ao dialogar com vários pesquisadores, assim enfatizado:

Concernente, ainda sobre a adoção da terminologia bullying para Romano & Mascarenhas (2012, p. 95) tal conceito “deve ser compreendido como um comportamento ligado à agressividade física, verbal ou psicológica, exercida de maneira contínua dentro e fora do ambiente escolar”. Na percepção de Pires (2013, p. 13): O bullying no ambiente escolar: representação social de professores do ensino fundamental. O bullying descreve-se como atos, palavras ou comportamentos prejudiciais, intencionais e repetidos. Dentre eles estão: ofensas à integridade física, moral, humilhações, difusão de boatos, exposição ao ridículo, agressões físicas e psicológicas que levam a vítima a manter o sofrimento em silêncio. A ação mais preocupante é a violência sutil, velada, mascarada ou invisível, por se passar despercebida. Conforme Medeiros (2012, p. 25) as agressões relacionadas ao bullying direto e físico se configuram pelas seguintes características: O bullying físico/direto é visível a outros estudantes e apresenta comportamentos de natureza física, como bater, empurrar, forçar com o corpo, chutar, tomar e danificar pertences, beliscar, dar tapas na nuca. Portanto, o bullying direto se configura como as práticas que evolvem a imposição de sofrimento físico, submissão pela força e, em alguns casos, a humilhação pública do alvo. Medeiros (2012, p. 25) relata ainda que os comportamentos do bullying diretos e verbais geralmente são: O bullying verbal/direto se apresenta como atitudes que visam insultar e apelidar de maneira vergonhosa e humilhante outro aluno. São atitudes de bullying verbal as ações repetitivas fazendo comentários insultuosos, humilhantes, racistas, homofóbicos e/ou intolerantes quanto às diferenças culturais, físicas, religiosas, econômicas. Além das formas diretas de bullying, tem-se a agressão que ocorre indiretamente, na qual visão excluir ou isolar o indivíduo por meio de fofocas e da destruição do caráter, além da manipulação de relacionamentos, criando distanciamento entre as pessoas. (CHACON, 2023, p. 22-23).

Compreende-se que o desenvolvimento da prática do bullying – seja físico/direto, verbal/direto, ou nas suas formas indiretas – é extremamente nocivo às relações humanas, ao bom convívio social, revelando-se como uma prática antagônica à heterogeneidade étnica, cultural, política, religiosa, existente, naturalmente, dentro dos múltiplos espaços escolares. Não deixa de ser também uma afronta e violência efetiva contra a diversidade reinante e natural no contexto desta mesma instituição escolar. Por isso mesmo, precisa ser identificado, acompanhado, muito bem avaliado, e superado, enquanto planificada prática político-pedagógica, na qual podem e devem ser envolvidos vários atores sociais.

Neste sentido, SILVA & BORGES (2018, p. 30-31), de forma bastante objetiva e fidedigna, ao abordarem as causas e consequências do bullying deixam evidente que:

As causas do bullying vão desde a falta de inserção de valores no ambiente familiar, falta de limites e regras de convivência em sociedade, o modelo de educação que recebem, até a dificuldade do aluno em receber punições através da violência e intimidação e a aprender a resolver os problemas por meio da agressão. O bullying causa sérias consequências as vítimas e as famílias, como por exemplo; depressão, baixo autoestima, angustia, isolamento,evasão escolar, autodeflagração, muitas apresentam comportamento agressivo, déficit de concentração, prejuízos no processo socioeducativo e nos casos mais extremos o suicídio. Enquanto os agressores podem se tornar delinquentes, alvos violentos e adotar comportamentos de risco.(Lopes Neto, 2005). Nesse sentido, também comenta um estudioso do tema, Aramis Antonio Lopes Neto: Há muita preocupação na relação entre bullying e problemas físicos e psicológicos, os mais diversos, que podem acometer com maior frequência tanto os alvos quanto os autores. Uma das maiores preocupações e objeto de diversos estudos internacionais, é a relação com as intenções suicidas e com suicídio de adolescentes. (SILVA & BORGES, 2018, p. 30-31).

As causas e consequências do bullying são múltiplas, sejam efetivadas no âmbito brasileiro, ou no exterior. O que corporifica, geralmente, as causas são, conforme já foi evidenciado aqui no texto, a intencionalidade, a repetição, e o desequilíbrio de poder, exercido de forma violenta por quem protagoniza o fenômeno citado. Por sua vez, como se verifica nos enunciados de SILVA & BORGES (2018, p. 30-31), as consequências vivenciadas pelas vítimas, em boa parte das vezes, atinge não apenas o corpo, como a sua saúde mental, reclamando em certas ocasiões o acompanhamento e apoio profissional de psiquiatras, psicólogos, psicopedagogos, assistentes sociais. Ou seja, em inúmeras ocasiões se faz necessária a realização de um trabalho multiprofissional, para que as consequências do bullying sejam removidas da existência das vítimas.

Constitui-se em instrumento muito relevante a cartilha “Bullying não é brincadeira”, produzida pelo Ministério Público da Paraíba (MPPB), principalmente quando ficam evidente as estratégias e ações de prevenção recomendadas nesta área, entre as quais pode-se destacar:

São dois os caminhos que podem ser utilizados para viabilizar o trabalho preventivo. O primeiro segue a via da orientação (educação) e o outro a imposição de limites por meio do diálogo e do exemplo. Investir na prevenção, em qualquer aspectro que seja, é válido para proteger quem sofre com o bullying, para alerta a sociedade sobre a temática pouco estudada e para coibir que ações violentas se disseminem. Corforme BORGES (1988), vamos aniquilar esta mal querência. Não queremos saber desta maldita violência. Vamos construir uma cultura da infância para que elas tenham defensores em toda instância. E a família? Como pode ajudar o filho que pratica bullying, ou sofre em decorrência dessa prática? É importante que os pais dialoguem sempre com seus filhos, orientando-os e participando mais de sua vida escolar e estabelecendo limites, próprios da educação. É necessário também que os pais estejam mais presentes e atentos ao comportamento dos seus filhos, observando qualquer mudança de suas atitudes, sempre ensinando o respeito às diferenças que é fundamental. É preciso ainda saber ouvir o filho, sem julgar ou criticar, reforçando os ensinamentos de segurança e confiança no ambiente familiar, não ignorando a timidez do filho ou seu jeito mais gozador, pois ambos precisam de ajuda e acompanhamento. E a escola? Como pode ajudar? As escolas devem investir mais na prevenção, através do esforço permanente de sua equipe, procurando sempre incluir nas suas práticas educacionais diárias e atividades extras, temas para discutir com as famílias e os alunos. Somente com o fortalecimento da relação pais, alunos e escola, cada um colaborando dentro de sua competência, haverá resultado para qualquer trabalho objetivando coibir as manifestações de violência dentro da escola. É importante ainda estimular a discussão aberta sobre a temática juntamente com o corpo docente, pais e alunos, com a execução de propostas de atividades que trabalhe a efetividade e a emoção, o respeito e a tolerância.(ESCOREL, ESCOREL & BARROS, 2009, p. 16-17).

As sugestões apontadas acima são pertinentes, portanto muito válidas para serem desenvolvidas. Todavia, elas não devem esgotarem-se em si mesmas, porque cada instituição escolar, detentora de uma comunidade escolar, e situada dentro de uma espaço geoeconômico-político-histórico-cultural determinado, possui suas próprias especificidades, que não podem ser negligenciadas quando dos processos de planejamento e execução preventivas ao bullying. Acrescenta-se, com fundamentação em minha experiência profissional, que é necessário ainda esclarecer e destacar que: os processos de prevenção, enfrentamento sistematizado, e equacionamento do bullying nas escolas, depende uma multiplicidade de fatores, entre os quais nomeia-se:

  • A introdução da prevenção ao bullying no próprio PPP (Projeto Político Pedagógico) da escola e, consequentemente, no seu Regimento Interno;
  • Elaboração e desenvolvimento de projetos e programas de prevenção ao bullying durante todo o ano letivo, inserindo-os no calendário anual da escola, eventos socioeducativos, culturais, interdisciplinares, viabilizando-os, com envolvimento efetivo de toda a comunidade escolar;
  • Considera-se essencial a ampliação da interação: escola, família e comunidade (é preciso que acabe a simulação da escola de frente para a comunidade, quando na verdade a primeira está de costas para a segunda, como também é fundamental que se elimine a farsa da comunidade de frente para a escola quando na verdade tal comunidade não esboça compromisso e responsabilidade nenhuma com a escola;
  • Se faz necessário ainda a implementação e institucionalização dos cursos de relações interpessoais no âmbito das escolas, a serem efetivados por equipes multiprofissionais;
  • Assegurar, sistematicamente, o desenvolvimento teórico-prático da Cultura de Paz no âmbito escolar e da Educação em Direitos Humanos e para os Direitos Humanos no âmbito escolar e da Educação Básica, durante o transcurso de todo o ano letivo, em todo o território nacional;
  • Criação e institucionalização das ouvidorias escolares;
  • Constituição de grupo de trabalho permanente de acompanhamento, supervisão, e avaliação do fenômeno do bullying no âmbito escolar;
  • Efetiva realização da gestão democrática, verdadeiramente, em todos os espaços escolares;
  • Imensa capacidade de ouvir, analisar e avaliar os sujeitos e conteúdos derivados da prática do bullying, para a construção das soluções mais adequadas.

Considera-se ainda importante afirmar, que o sistema capitalista enquanto macrovampiro produtor e reprodutor do consumismo alienado, hipocrisia desmedida, fabricador de fake news, gerador de individualismo acentuado, desejo descomunal do ter a qualquer preço, sem levar muitas vezes em consideração os meios para obtenção de determinados fins, torpedeia e dilacera, de forma grave, o que poderia e deveria ser ético e moral, socialmente aceitável, criando, portanto, possibilidades reais para a fabricação e propagação do bullying. O capitalismo, inclusive no Brasil, retroalimenta as deformações de caráter e conduta de milhões de pessoas, materializadas em sua teia de relações.

Verificamos, portanto, que continua bastante atual e fidedigna a tese científica deErich Fromm, ao classificar como a anatomia da destrutividade humana algumas posições e posturas nefastas adotadas por inúmeros indivíduos. Por outro lado, muito feliz e pertinente também foi Sigmund Freud, quando analisando a época em que viveu, definiu determinadas situações que investigou, como o “mal estar da civilização”. Segundo o nosso próprio entendimento, ainda permanecendo na contemporâneidade.

O desamor é avassalador nesta sociedade caótica em que estamos inseridos e, independente de todo o avanço científico e tecnológico, da gigantesca produção e circulação de informações, que ocorre como em nenhuma outra etapa da humanidade, o diálogo genuino fundamental, belo e necessário está em declínio no âmbito dos lares, escolas, meios de comunicação, ruas e esquinas. O diálogo genuíno está sendo liquidado pela ampliação dos silêncios preconizados via redes sociais e robotizações diversas. No seu lugar, eclode e é disseminada a intolerância, a xenofobia, o descaso e a exclusão dos imigrantes, os preconceitos e discriminações, o racismo, a cultura do ódio, o fundamentalismo e o negacionismo da ciência, escancarando os componentes da destrutividade humana e o “mal estar da civilização” contemporãnea, impactando todas as formas de vida. Vida verdadeira. Uma descomunal irracionalidade em plena contemporâneidade, que não está sendo enfrentada e debelada como um de seus subprodutos, lamentavelmente denominado de bullying.

Sequenciando a verificação da literatura sobre o tema em destaque, julga-se como necessário referendar os elementos constitutivos da rede de proteção evidenciada pela cartilha “Escola Livre de Bullying”, da Secretaria de Estado da Educação, do Governo de Mato Grosso, que pela sua importância foram assim delineados:

Uma rede de proteção consolidada e efetiva implica encarar as demandas de violências escolares de forma intersetorial, ou seja, envolver diferentes órgãos competentes, que poderiam auxiliar no tratamento dessas questões. Nesse sentido, parcerias com Universidades, Organizações da Sociedade Civil e Órgãos Municipais e Governamentais de Saúde, Assistência Social e Segurança Pública devem ser incentivadas e fomentadas. A equipe da gestão escolar precisa fazer um mapeamento das redes que atendem o seu munícipio e assim consolidar a parceria. Quando dialogamos sobre violência escolar, compreendemos que alguns direitos podem ser violados, assim, é importante que a escola compreenda o papel de cada instituição, resguardando a integridade dos (as) estudante e acionando a rede de proteção. É dever de todos o cumprimento do estatuto da criança e do adolescente (ECA) com objetivo de impedir e também reprimir quaisquer infrações que coloque em risco a integridade das crianças e adolescentes. Os atos de bullying, quando praticados por crianças e adolescentes, quase sempre são atos infracionais. Portanto, a consolidação de uma Rede de Proteção é fundamental para resguardar as crianças e os adolescentes. Ações – Fomentar o Disque 100 como um canal de denúncia seguro e anônimo. Orientações quanto ao uso desse canal devem ser evidenciados no ambiente escolar por meio de cartazes, banners, folders a serem disseminados em murais, grupos de redes sociais, atividades extracurriculares, dentre outros. Consolidar e desenvolver parcerias com: Centro de Referência de Assistência Social – CRAS; Centro de Referência Especializada de Assistência Social – CREAS; CAPS – Centro de Atenção Psicossocial (AD – álcool e outras drogas / i – infantil); Conselhos Tutelares; Promotoria da Infância e Juventude; Polícia Militar; Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente; Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente; DEA – Delegacia Especializada do Adolescente; DEDDICA –Delegacia Especializada de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente; NASF – Núcleo de Apoio à Saúde da Família; dentre outros.

Não há receita ou fórmula mágica para o verdadeiro enfrentamento e equacionamento do bullying. A escola, por mais que tenha uma estrutura organizacional e funcional eficiente e eficaz, isoladamente, não produzirá as situações e condições permanentes para a solução das práticas de bullying no seu contexto. Se faz realmente necessário que a escola estabeleça uma teia de relações institucionais, pratique a intersetorialidade, visando o enfrentamento e superação de tão complexo e grave fenômeno. As parcerias e alianças com as instituições de defesa, proteção e promoção dos direitos da criança, dos adolescentes e jovens, se revela decisiva para a prevenção e superação do bullying.

Considerações finais

Considera-se que os meios de comunicação de massa, as instituições de Ensino Superior em geral, as sociedades científicas nacionais (no campo das Ciências Sociais), as igrejas, o Movimento Sindical, o Movimento Estudantil, o Congresso Nacional, e os movimentos sociais, podem e devem viabilizar estudos, pesquisas e ações mais amplos, que favoreçam o enfrentamento e a superação do bullying no âmbito de todo o território nacional, em conexão, acima de tudo, com todas as escolas integrantes da Educação Básica deste país. Essa tarefa não é somente do Estado e dos entes federativos. É, por execelência, de toda a sociedade brasileira, da qual o estimado leitor é parte integrante.

O bullying, portanto, não é necessário e nem natural que exista em nenhuma instituição escolar, ou qualquer outra instituição, porque na sua essência, é uma violência e uma violação de direitos. É um atentado à dignidade da pessoa humana. Neste sentido, precisa ser enfrentado e resolvido onde se manifeste.

Referências

CHACON, Maria de Lourdes Leôncio. O bullying no ambiente escolar: representação social de professores do Ensino Fundamental da Escola Embaixador Gilberto Amado. Recife, Pernambuco– Asunción (Paraguay): Universidade Autônoma de Assunção (UAA), 2023.

ESCOREL, Soraya Soares da Nóbrega; ESCOREL, Alley Borges; BARROS, Ellen Emanuelle de França. Bullying não é brincadeira. Ministério Público da Paraíba (MPPB). João Pessoa: Gráfica JB, 2009.

FRICK, Loriane Trombini. Estratégias de prevenção e contenção do bullying nas escolas: as propostas governamentais e de pesquisa no Brasil e na Espanha. Presidente Prudente: [s.n], 2016. Disponível em: https://is.gd/OHaqJj Acesso em: 23/09/2023.

GOVERNO DE MATO GROSSO. Escola livre de bullying. Secretaria de Estado da Educação. Disponível em: https://is.gd/Jkfw27 Acesso em: 01/10/2023.

SILVA, Ludimila Oliveira; BORGES, Bento Souza. Bullying nas escolas. 2018, p. 30-31. Disponível em: https://is.gd/51uojWAcesso em: 23/09/2023.

 

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Giovanny de Sousa Lima — Mestre em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB); especialista em Educação em Direitos Humanos e para os Direitos Humanos, também pela UFPB; psicólogo educacional; pedagogo; professor do Ensino Médio e do Ensino Superior em instituições da rede privada de João Pessoa, nas últimas três décadas; e ex-professor da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).Também é escritor e radialista.