Para não dizer que não falei da defesa, proteção, conservação e convivência com o importante e ameaçado bioma caatinga

Giovanny | Colunista

Grandiosidade, diversidade, beleza e essencialidade do nosso bioma caatinga: o que fazer?

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Giovanny de Sousa Lima

Inúmeros estudos, pesquisas, produções acadêmicas – tanto no passado quanto no presente – são profundamente elucidativos a respeito da extraordinária importância do bioma caatinga, principalmente no Nordeste Brasileiro e, acima de tudo, no semiárido dessa região, historicamente submetida aos métodos, modelos, planos e programas de desenvolvimento gestados, na maioria das vezes, pelas classes dominantes, que por sua vez continuam a estabelecer e assegurar nefastas relações com o bioma citado.

A manutenção e reprodução do sistema capitalista vigente, produtor de concentração de renda e riqueza nas mãos de poucos, de natureza predatória e provocador de imensas desigualdades sociais e exclusões, tem gerado uma multiplicidade de impactos no bioma referido e na vida de suas populações (a maioria proletarizada). A exploração irracional e a existência de técnicas inadequadas e arcaicas de manejo deste ecossistema precisam ser extintas. Isso é perfeitamente viável e fundamental.

A formulação deste modesto artigo é uma tentativa de contribuição ao evidenciamento multidimensional do nosso bioma caatinga, associado a sugestões ou alternativas capazes de cooperar para conter a destruição de tal bioma, seja em municípios paraibanos como Bonito de Santa Fé (minha terra natal), bem como em dezenas de outros, acima de tudo situados na região do semiárido nordestino.

Conceito de caatinga

Para um melhor entendimento dos nossos leitores, julga-se pertinente o destaque do conceito de caatinga, revelado por SANTOS (2017, p. 21):

O conceito e a extensão da caatinga irão variar de acordo com o ponto de vista de seus pesquisadores. Pode-se citar alguns exemplos, tais como: Uma formação ou tipo de vegetação (VELOSO, 1964); um complexo de formações, incluindo vários tipos de vegetação (RIZZINI, 1997); uma área fito- ou biogeográfica, definida pela sua composição de táxons(espécies, gêneros, etc.) (ANDRADE-LIMA, 1981); Um domínio morfoclimático e fitogeográfico (AB’SÁBER, 2003).Além do conceito, o uso dos termos, tais como “agreste” e “sertão”, também variam de acordo com os autores. Uma definição comum diz que o agreste e o sertão são interiores secos das caatingas e região leste de transição entre as caatingas e a serra do Mar (MMA, 2016).SANTOS (2017, p. 21).

Tão relevante estudo deixa evidente uma variedade sistemática, conceitual, do bioma caatinga, que em nada contribui para o empobrecimento do entendimento dos educandos sobre o mesmo. Considera-se esta pluralidade conceitual como algo positivo.

JáCOELHO (1987, p. 96-97), sobre o domínio morfoclimático caatinga, diz:

Interação e interdependência, onde elementos como clima, relevo e vegetação exercem influência preponderante (principalmente o clima), explica a existência dos chamados domínios morfoclimáticos (morfo = “relativo ao relevo” e climáticos = “relativo ao clima”) ou morfoclimatobotânicos ou ainda paisagens naturais. Os domínios morfoclimáticos podem ser entendidos como uma combinação ou síntese dos diversos elementos da natureza, caracterizando ou individualizando uma determinada porção do território. […] Caatinga: domínio que caracteriza o Sertão Nordestino, marcado por um relevo planáltico, onde aparecem áreas deprimidas (depressões), delimitadas por planaltos e chapadas. O clima é semiárido (quente e seco), a vegetação a ele adaptada é pobre e arbustiva, com presença de cactáceas ou xerófilas, e os solos são rasos, pobres em matéria orgânica, mas ricos em sais minerais. COELHO (1987, p. 96-97).

Considerando-se não apenas a beleza, validade e pertinência de tão transparente abordagem, constitui-se em imperativo inadiável, principalmente para todos que nasceram e habitam, acima de tudo, a região do semiárido nordestino, entender e construir novas situações e condições que propiciem a convivência ampla, sistematizada, planejada, democrática, saudável e produtiva, com o bioma referido. Tal empreendimento, cada vez mais inadiável, não é atribuição apenas dos estados nordestinos e dos governos municipais. Mas, de todas as pessoas que habitam e se relacionam, direta ou indiretamente, com um dos biomas menos protegidos do Brasil. Sua consequente defesa, proteção, conservação, exploração racional e sustentável, continua a constituir-se em desafio a ser abraçado de forma corajosa, amorosa, técnica e humanizadora, por todos nós.

Grandeza, diversidade, beleza e essencialidade do bioma caatinga

Diferentemente do que produz e reproduz o senso comum, e até, lamentavelmente, alguns meios de comunicação de massa, dentro do contexto do bioma caatinga não existe apenas pobreza, miséria, vegetação pobre, mas uma real e profunda riqueza, representada por sua biodiversidade (flora e fauna); sítios arqueológicos de gigantescos valores culturais e históricos; riquíssimas produções e manifestações de cultura popular, geradas, historicamente, por milhares de homens e mulheres; nascentes de rios perenes e não perenes; paisagens belíssimas, com feições e formatos diversos; rica fitoterapia, derivada de suas inúmeras espécies vegetais; entre outros componentes que atestam a necessidade da construção de novos paradigmas para o relacionamento com tal bioma.

Atestando essas afirmações, considera-se oportuno destacar o trabalho coletivo, efetivado por vários técnicos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Embrapa Informação Tecnológica e Embrapa Semiárido, configurado na cartilha “Preservação e uso da caatinga”, instrumento bastante educativo, transparente e orientador, para que tenhamos não apenas uma melhor compreensão deste bioma, mas que tenhamos a capacidade de adotar práticas sociais adequadas de relacionamento com o mesmo. São inúmeras as orientações contidas em tal documento, as quais minimamente condensamos aqui:

As plantas da Caatinga apresentam modificações que permitem sua sobrevivência nos longos períodos de falta de água.São exemplos a queda das folhas na estação seca, a presença de caules e raízessuculentas que armazenam água e nutrientes, o ciclo de vida curto e a dormência das sementes (período em que elas ficam biologicamente paralisadas, aguardando condições favoráveis para brotar). Para sobreviver na Caatinga, os animais também se adaptaram às condições do ambiente. Adquiriram hábitos de se esconder do sol em abrigos sombreados e de sair apenas à tardinha, ou mesmo apenas durante a noite, para caçar. Apesar de seu aspecto “feio” e espinhento, a Caatinga é rica em plantas e animais, muitos deles encontrados somentenessa região.(KIILL, Lúcia Helena Piedade; DRUMOND, Marcos Antônio; LIMA, Paulo César Fernandes; et al, 2007, p. 8-9).

Tal bioma caracteriza-se pela presença de mais 1000 espécies de plantas. Sua grandeza e beleza está para além de sua riqueza vegetal. Pois o bioma caatinga, inegavelmente, percebe-se, é patrimônio geográfico, biológico, ecológico, histórico-cultural, especialmente do Nordeste Brasileiro e, acima de tudo, dos sertões e sertanejos. Tal riqueza pode ser assim expressa: a natural extensão do próprio bioma; sua fascinante biodiversidade; a realização de ciclos econômicos que, historicamente, têm sido efetivados no seu contexto; a expressiva diversidade de recursos minerais; os saberes e conhecimentos; e as tecnologias alternativas utilizadas por milhares de homens e mulheres para assegurar suas sobrevivências; a herança cultural, construtora e formadora de nossa identidade, resultante de nossa relação, acima de tudo, com a região do semiárido; a extraordinária capacidade de renovação da vegetação, com o surgimento das chuvas; sua inserção na categoria das grandes florestas secas do mundo, reconhecida até por organismos internacionais; o expressivo e pluralista endemismo de plantas e animais (muito embora, na atualidade, existam 366 espécies ameaçadas de extinção); e uma grande e diversificada fonte de plantas com propriedades fitoterápicas, inclusive existentes na Paraíba, como por exemplo: catingueira, facheiro, macambira, umbuzeiro, feijão bravo, oiticica, marmeleiro, juazeiro, mandacaru, juremas, maniçoba, mororó, entre outras. Vê-se, portanto, que o bioma caatinga, definido pelos Tupi-Guarani como “mata branca”, em decorrência do aspecto esbranquiçado dos troncos de árvores, mesmo situado em região semiárida, onde prevalece aridez do solo e o clima seco, apresenta uma grande biodiversidade, contado, inclusive, com espécies exclusivas deste bioma.

Há um consenso de que 33% da vegetação e 15% dos animais desta região são exclusivos da caatinga. Ocorrem, portanto, somente nesta região geográfica. Tal fato exige um compromisso e responsabilidade permanente, principalmente com a defesa, proteção e conservação de todas as espécies ameaçadas de extinção. E se faz também muito necessário que nos organizemos e lutemos para se contrapor à lógica e práticas do capitalismo, que preconizam e querem desenvolver a qualquer preço o crescimento econômico, divorciado de defesa, proteção e preservação dos recursos naturais. Digamos não sempre a exploração irracional, predatória, mercantilizadora, da caatinga.

Alguns fatores que afetam ou impactam o bioma caatinga no semiárido

  • Avanço do extrativismo mineral (muitas vezes sem o controle, monitoramento, fiscalização, dos órgãos ambientais, como, por exemplo, acontece no interior de algumas cidades da Paraíba);
  • Constituição de macro olarias (grandes e reais empresas que foram estruturadas e funcionam em dezenas de municípios nordestinos, impunemente praticando o desflorestamento para converter a madeira em fonte de energia, para fabricação, geralmente, de tijolos, telhas, e outros utensílios);
  • Parte das indústrias da região fazem a extração de lenha da vegetação do semiárido para suprir suas necessidades energéticas, muitas vezes sem a devida fiscalização dos órgãos competentes;
  • Aumento da exposição de amplas parcelas dos solos à erosão e salinização (devido, acima de tudo, a retirada da cobertura vegetal);
  • Diminuta diversificação de fontes de energia locais, retroalimenta a retirada indevida de cobertura vegetal;
  • Utilização de agrotóxicos e adubos químicos por inúmeros agricultores e produtores rurais, despojados do mínimo de conhecimento sobre os impactos que provocam;
  • Expansão da Agropecuária, principalmente, da criação de gado, em detrimento da caprinocultura, é outro fator causador de grandes impactos ambientais;
  • Existência de uma estrutura fundiária bastante subdesenvolvida, concentradora de gigantescas áreas de terras em mãos de poucos (latifundiários);
  • Desenvolvimento da caça, geralmente, irregular;
  • Avanço da desertificação, acima de tudo, na região do semiárido;
  • Ausência de combate à desertificação (não acontece de forma planejada, sistematiza e permanente, nem materializada pelos estados nordestinos, muito menos pelos municípios situados nos sertões do Nordeste);
  • Existência de grande quantidade de solos fracos, argilosos, com pouca água e pouca matéria orgânica;
  • Construção de uma grande e diversificada quantidade de estradas ao largo das rodovias que contornam o bioma;
  • Falta de capacitação técnica-científica de centenas de pequenos e grandes produtores, que atuam diretamente no contexto do bioma;
  • Ausência de áreas de conservação ambiental em vários municípios;
  • Aumento do aquecimento global e redução da fertilidade dos solos;
  • Manejo muito precário, subdesenvolvido, arcaico, dos recursos hídricos da região, em muitos municípios, principalmente no interior nordestino;
  • Desconhecimento (falta de investigação técnica-científica mais abrangente e profunda que envolva a totalidade do bioma caatinga, e as situações e condições que propiciem a sua exploração, racionalmente, de forma sustentável, eliminando a devastação que atinge hoje quase 50% de sua totalidade).

Pistas, horizontes ou alternativas para defesa, proteção e conservação da caatinga

  • Reflorestamento do bioma caatinga em todas as áreas onde o desmatamento tenha sido desenvolvido;
  • Criação e institucionalização do Programa Municipal de Educação Ambiental (Promea) em todos os municípios da região do semiárido onde tal iniciativa não exista ainda;
  • Formulação de convênios para o desenvolvimento de programas e projetos permanentes de restauração e preservação do bioma caatinga;
  • Desenvolvimento da Educação Ambiental na Rede Pública Municipal de Ensino (Ensino Fundamental);
  • Criação das reservas de proteção ambiental e das zonas especiais de proteção ambiental nos municípios onde não existam;
  • Apreensão dos animais em geral caçados e mantidos em cativeiros, e punições rigorosas aos infratores das leis ambientais;
  • Os municípios da região podem e devem cooperar para o cumprimento da agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável, bem como para o cumprimento do Programa Nacional de Combate à Desertificação, Programa Estadual de Combate à Desertificação, e ainda os Objetivos dos Desenvolvimento Sustentável, para proteger o planeta e promover sociedades pacíficas e inclusivas;
  • Orientações sistematizadas por Associação Caatinga e entidades similares, realmente comprometidas com o manejo sustentável do bioma caatinga, precisam ser acolhidas pelos atuais e futuros gestores municipais;
  • Importante se faz ainda que gestores públicos, sociedade civil, movimentos sociais, estejam atentos para as decisões e orientações do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, e que a legislação ambiental existente no Brasil, associada às conferências e tratados internacionais sobre meio ambiente não sejam negligenciadas quando da construção de projetos, planos ou programas voltados para o bioma caatinga;
  • Atentar para a importância do Projeto de Lei do Senado Federal N° 222/2016, que institui a política de desenvolvimento sustentável da caatinga;
  • Fundamental ainda é que estejamos atentos e comprometidos, responsavelmente, de forma inarredável, com as recomendações emanadas da COP26 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) e suas especificidades para nossas comunidades;
  • Que possam ser produzidas e intensificadas as campanhas preventivas e de combate a destruição do bioma caatinga, com efetiva participação da sociedade, e que possam ser contempladas também, e preferencialmente, todas as orientações emanadas do Instituto Nacional do Semiárido e de outras instituições que integram a comunidade científica nacional.

O nosso bioma caatinga é tão importante e extraordinário que pensadores, escritores, cientistas sociais, educadores/pesquisadores, inclusive no campo da Literatura, têm revelado aspectos essenciais do citado, entre os quais, destacam-se: Euclides da Cunha, Graciliano Ramos, José Américo de Almeida, Josué de Castro, Ariano Suassuna, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, entre outros.

O bioma caatinga, além de suas feições e fisionomias diversas, possui para além dos componentes geográficos e biológicos um elemento essencial, acima de tudo, para as pessoas que nasceram no Sertão Nordestino, como o produtor deste modesto artigo. Tal componente, denomino de sócio-histórico-cultural-político, porque por nossa caatinga percorreram, caminharam, personalidades como Lampião e demais integrantes do Cangaço; Antônio Conselheiro; índios Tupi Guaranis; membros da Coluna Prestes; integrantes das Ligas Camponesas; Frei Damião e Padre Cícero; e tantos outros vultos históricos, culturais e políticos que fazem parte da História do Nordeste Brasileiro.

Neste contexto, ressalto e compartilho da concepção do teólogo e educador BOFF (2009, p. 31), contida no seu belíssimo trabalho “Ética da Vida: a nova centralidade”, a saber:

Dentro dos parâmetros da ecologia social, devemos denunciar que o sistema social dentro do qual vivemos – a ordem do capital, hoje mundialmente integrado – é profundamente antiecológico. Em todas fases de sua realização histórica, baseou-se e baseia-se ainda na exploração das pessoas e da natureza. No afã de produzir desenvolvimento material ilimitado, ele cria desigualdades entro o capital e o trabalho, e entre quem está no mercado e quem não está. Disso deriva a deterioração da qualidade de vida em suas várias dimensões: material, psíquica, social e espiritual. BOFF (2009, p. 31).

Sem a pretensão de ter refletido e problematizado acerca da totalidade de tão complexo, abrangente, rico e belo bioma, dedico este modesto artigo a todos os habitantes, principalmente, do semiárido nordestino.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Paulo Tarciso Freire de. Caatinga Declamada.

Disponível em:https://bit.ly/3G1c24q Acesso em: 29 de novembro de 2021.

BOFF, Leonardo. Ética da vida: a nova centralidade. Rio de Janeiro: Record, 2009, p. 31.

BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei Nº 222/2016:institui a Política de Desenvolvimento Sustentável da Caatinga.Disponível em:https://bit.ly/3lhxH0kAcesso em:29 de novembro de 2021.

COELHO, Marcos de Amorim. Geografia do Brasil. 2 ed. atual., rev. e ampl. São Paulo: Moderna, 1987, p. 96-97.

KIILL, Lúcia Helena Piedade; DRUMOND, Marcos Antônio; LIMA, Paulo César Fernandes;et al. ABC da Agricultura Familiar: preservação e uso da caatinga.Brasília-DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2007, p. 8-9.

MELO, Antônio Sérgio Tavares de; RODRIGUEZ, Janete Lins. Paraíba: desenvolvimento econômico e a questão ambiental. João Pessoa: Editora Grafset, 2003.

SANTOS, Alcielma Silva. Bioma Caatinga: abordagem nos livros didáticos de Ciências e Geografia do Ensino Fundamental. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal de Campina Grande. Cuité-PB: UFCG,2017, p. 21. Disponível em:https://bit.ly/3199LFlAcesso em: 29 de novembro de 2021.

Por: Giovanny de Sousa Lima