CulturaDestaque 2

A praga da alienação religiosa está na crista da onda 1

Como cristão e líder religioso católico, desejo tecer uma breve análise sobre a onda perigosa pela qual passa o cristianismo no momento atual. Onda essa caracterizada pelo o fenômeno da praga da alienação religiosa, o que vem levando milhares de cristãos a caminhar na direção contrária ao verdadeiro projeto de Jesus: O Reino de Deus no aqui e agora da história, com sua plenitude na dimensão escatológica, ou seja, na eternidade.

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Não hesito em afirmar peremptoriamente que, infelizmente, estamos vivendo uma verdadeira cultura de descaracterização do verdadeiro cristianismo. O Jesus histórico, que abraçou a causa dos pobres com força e determinação, e por causa dessa sua posição profética fora assassinado, não existe. O que existe é um Jesus a-histórico, para além das nuvens, que não tem nenhum compromisso com o ser humano no hoje da história. O seu reino de justiça e vida para todos não é anunciado. O que vale é falar de um Jesus Rei, Todo Poderoso, Majestoso, Milagreiro, sentado num trono de ouro, que gosta de aplausos e louvores.

São muitos líderes religiosos cristãos pregando a torto e a direita todo tipo de alienação religiosa, com isso, repito com ênfase, deturpando o verdadeiro sentido do Evangelho do Jesus libertador, aquele que deu a vida pelo povo sofrido, oprimido, excluído, consequentemente, tratado com desdém, julgado e condenado pela elite política e religiosa do seu tempo: esse homem é um agitador, ele anda agitando o povo. Matemo-LO”, disse Herodes

Fico preocupado com a posição alienante e reacionária de muitos cristãos no que tange à luta em defesa da justiça social, dos direitos humanos, da dignidade da pessoa humana etc. Esses temas, tão pertinentes ao Evangelho, tão defendido por Jesus, não lhes interessa. Para esses, o importante é a fé intimista, emocionante, desencarnada da vida e da história humana. Uma fé cômoda, sem compromisso com a causa do Reino de Deus-justiça, vida, dignidade-não é fundamental.

Tenho conversado com muitos professores, estudantes, donas de casa, agricultores, jovens de movimentos sociais, operários, profissionais liberais, padres e leigos, comprometidos com uma Igreja verdadeiramente profética e libertadora. Eis o que tenho ouvido:
-Padre, eu ligo nos canais católicos e não vejo ninguém defendendo os pobres que lutam por justiça social, moradia, emprego, dignidade, vida.
-Seu Padre, por que quase todos os pastores e padres da TV não falam em justiça social? Eles têm medo?
-Por que os católicos não cantam e divulgam as músicas do cantor Zé Vicente? Ora, são músicas que falam da vida, do sofrimento e da luta do povo. Infelizmente, estão dando valor as músicas alienantes de muitos padres e leigos.
-Para muitos seminaristas, Padre Djacy, os padres referenciais na sua caminhada são padres que não têm postura profética. São padres da TV, que possuem fama, tratados como celebridades etc.
-O que vejo é que há muita hipocrisia nas igrejas. Muita gente pregando sobre o amor, mas não tem coragem de lutar em defesa dos irmãos. -A gente só ver pastores falando em milagres, curas, dinheiro, prosperidade etc.
-Se os pastores e padres da televisão curam, por que não vão não saem dos palcos iluminados ou dos estúdios refrigerados, luxuosos, e vão curar os doentes que estão nos hospitais? Por que não curam os doentes que estão sofrendo em tantos hospitais? Por que só curam diante das câmaras de TV?
-No tempo da seca, não vi um padre da TV falando sobre o sofrimento dos sertanejos. Por que, hein?
-Padre Djacy, quando há encontros regionais das Cebs, comunidades eclesiais de base, os canais católicos de TV não transmitem, nada falam. Por quê?
-É muita alienação religiosa. Só vemos louvores, orações e muita dança. É o dia todo. E toma dança. Penso que certos movimentos católicos e evangélicos tornaram-se úteis para terapia emocional.
-O que percebo é que muitos católicos vivem na base do devocionismo. Um devocionismo descompromissado com a vida, com o mundo. O pior é que temos muitos líderes religiosos católicos que gostam desse tipo de religião. Uma religião voltada somente para o alto.
-O cristianismo de hoje parece mais consultório de psicologia. Nos auditórios da TV, os programas religiosos só falam em problemas pessoais, envolvendo emoção, conflitos etc. E toma choro, lágrimas, emoções. Parece que estamos presenciando a religião do emocionalismo generalizado.
-Saudade daquela Igreja comprometida com a libertação dos pobres. Quantas lembranças dos profetas que anunciavam o evangelho do Cristo libertador. Faz-me recordar Dom Hélder, Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Fragoso, Dom José Maria Pires, Dom Pedro Casaldáliga, Dom Oscar Romero e tantos outros.
-Há padres que passam o tempo todo falando somente no céu, nos santos, no sexo dos anjos. Têm alguns que mandam a gente esquecer a terra e voltar para o céu do outro lado. Isso não é alienação religiosa?
-Sei não, agora inventaram a tal da teologia da prosperidade. O negócio  agora é rezar e louvar para Deus dar muita riqueza, muitos bens materiais.
-Com essa tal de teologia da prosperidade, se você é rico, tem muitas coisas, é porque você orou muito, fez a vontade de Deus, é um abençoado.
-Rezar é importante, mas ficar só na reza, não adianta nada. Jesus não quer isso não.
-Sou uma estudante universitária, e digo: não acredito no Deus de certos pregadores evangélicos e católicos. O Deus desses religiosos é um Deus distante, insensível, que não se importa com a fome, as injustiças que ferem a dignidade humana; um Deus distante da história, sem compromisso de libertação com os pobres, os excluídos etc. Nesse Deus distante, frio, fora da história, não acredito, não o sigo.
-Padre Djacy, por que muitos bispos, padres e leigos não valorizam a teologia da libertação? Eles têm medo de se comprometer com a luta pela libertação dos pobres, é?
-Padre Djacy, me perdoe, mas alguns padres que conheço, também frades, só se preocupam com o ritual, com as formalidades litúrgicas. Vivem somente de celebrar e celebrar. Não estão nem aí com os problemas do povo, das comunidades. Será que eles não estão na contramão de Jesus, que deu a vida pelo povo sofrido?
-Ninguém fala mais nas Cebs, nos movimentos sociais. Agora só falam em Renovação Carismática, em movimentos espiritualistas etc. Parece que o Deus desses movimentos só existe no céu, pra cima das nuvens.
-Uma coisa é certa, seu padre, esses movimentos espiritualistas formam consciência alienante, reacionária. Aqui no Brasil, quem pertence a esses movimentos tornam-se eleitores da extrema-direita. A elite adora esse tipo de cristianismo.
-Há alguns padres e pastores que usam a religião para ficar famosos, virarem estrelas. Por conta disso, passam a ser adorados. O evangelho passa distante desses religiosos.
-Tenho saudades daquele tempo em que muitos padres, pastores, leigos, usavam a fé cristã com arma em defesa dos pobres, dos excluídos, dos marginalizados, da justiça social etc. Também eles lutavam sem medo em defesa da redemocratização do país. Não tinham medo de combater a ditadura militar.
-Padre Djacy, cadê os profetas de Jesus? A gente não vê mais cristãos profetas que anunciam e denunciam. O que percebo é que muitos estão encastelados no seu conforto e preocupados com unicamente com seu bem-estar. Vejo somente fé intimista: Deus e eu, eu e Deus.
-Muitos perdem a fé, não no Deus libertador, mas no Deus alienante, distante, frio, insensível, que vive sentado no seu trono de ouro, ouvindo os cantares dos anjos.
-Graças a Deus que apareceu o Papa Francisco. Ele é um verdadeiro profeta de Deus. Um defensor dos pobres, dos excluídos. Depois dele, a minha fé aumentou.
-No tempo da ditadura militar, a gente via cristãos lutando em defesa da volta da democracia. Eram padres, pastores, bispos, freiras, seminaristas, leitos.  Eles não tinham medo de nada. Tudo em nome do evangelho, da fé cristã libertadora.
-Penso que o cristianismo está sendo descaracterizado na sua essência. A religião cristã está sendo um verdadeiro anestésico. Está servindo para alienar as pessoas. De um tempo pra cá, o povo cristão está ficando só na oração, nos aplausos e louvor.
-Padre Djacy, eu questiono o seguinte: onde está o profetismo da Igreja? Por que tanto silêncio profético? Medo? Comodismo? O que há com a maioria dos pastores católicos que não levantam sua voz em defesa dos pobres, dos excluídos, dos marginalizados desta América Latina e do Caribe?
-O que venho observando, padre Djacy, é que a religião cristã está tornando-se sinônimo de mercado. Muitos só falam em dinheiro. Alguns usam o nome de Deus para ganhar muito dinheiro e ficar rico.
-Nessas eleições, a gente viu poucos cristãos tentando fazer trabalho de conscientização politica, tentando libertar o povão da alienação política. Foram poucos os líderes religiosos e leigos envolvidos nesse trabalho de politização.
Uma fé alienante, reacionária, só contribui com as estruturas sócio-política-econômicas iníquas, desumanas, antiéticas, geradoras de tantas injustiças, exclusões e morte. E os ricos, a elite, a burguesia, que se dizem muitas vezes cristãos, que adoram o devocionismo inócuo e aplaudem a cultura do espiritualismo em moda, só tem a agradecer.

Para os que fazem da religião cristã instrumento de alienação, vale essas palavras proféticas de Jesus, o libertador: “nem todo o que me diz: Senhor, Senhor!  Entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus” (Mateus 7:21-23).
Afinal, em que consiste essa vontade de Deus de Pai?

Padre Djacy Brasileiro, em 12 de fevereiro de 2015.
Email: [email protected]
Twitter: @Padredjacy.