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Mídia nacional: Desapropriados pela transposição têm adaptação difícil à vida na cidade

A construção de canais e reservatórios para a transposição desapropriou terrenos e casas de famílias que antes viviam na rota do Rio São Francisco. Ao longo de toda a obra, 2.700 famílias tiveram que deixar suas casas, de acordo com o Ministério da Integração. Somente em São José de Piranhas (PB), foram retiradas 212, conforme o Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município, que auxiliou os agricultores no processo. Todos se adaptam a uma nova realidade enquanto aguardam a construção de novas casas nas Vilas Produtivas Rurais (VPRs).

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Localizada no Alto Sertão da Paraíba, São José de Piranhas tem uma população atual de 20 mil habitantes.  O plano inicial era que as vilas estivessem prontas assim que as famílias deixassem suas casas, mas com o atraso na obra, elas estão recebendo auxílio de R$ 1.250 para cobrir despesas com aluguéis. “As casas foram desapropriadas por causa da Barragem da Boa Vista. A gente tem feito capacitações para eles aprenderem a viver mais próximos [da zona urbana]. Umas 90 famílias alugaram casas na zona urbana, outras preferiram ir para sítios”, explica a tesoureira do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Gerlândia Moraes.

Casas foram desapropriadas para construção de barragem em São José de Piranhas (Foto: Katherine Coutinho / G1)
Casas na rota do São Francisco foram desapropriadas para construção de barragem em São José de Piranhas (Foto: Katherine Coutinho / G1)

Segundo o Ministério da Integração, as obras das Vilas Produtivas Rurais devem ser concluídas até o segundo semestre de 2015. O órgão informou que o contrato de implantação está em plena execução e cinco delas já tiveram suas construções iniciadas. Ao todo, o projeto prevê a construção de 18 vilas entre Pernambuco, Ceará e Paraíba. Dessas, dez estão construídas, sendo cinco habitadas e mais cinco em finalização de ajustes para moradia.

Transposição do São Francisco (Foto: Arte G1)
Transposição do São Francisco (Foto: Arte G1)

A família do agricultor Francisco Diniz é uma das que optou morar na cidade. Aos 56 anos, ele perdeu a conta das vezes em que foi para São Paulo trabalhar no corte de cana-de-açúcar. Eram seis meses em casa, seis meses viajando a trabalho. Em paralelo, tinha uma roça de milho, feijão e arroz. “Sinto saudade do sítio, eu nasci e cresci lá, tomando banho de rio”, conta o agricultor, que admite por vezes ter medo de não ir para a Vila do município.

Celular com internet
Francisco e a mulher, Francisca Alecrim, têm quatro filhos, que se adaptaram rapidamente à vida na cidade. O celular com internet é o xodó da filha do casal, Jéssica Diniz, de 19 anos. “Eu fico direto na internet, lá no sítio não pegava”, conta, acrescentando que sente falta do espaço que tinha para brincar de esconde-esconde, embora não queira saber de voltar à vida ‘desconectada’. “Ter uma casa nossa vai ser bom, mas lá tem que ter internet. A gente meio que já é viciado”, diz.

O irmão mais velho de Jéssica, Roberto Diniz, afirma que a família vai se readaptar a morar na zona rural, apesar das facilidades da cidade. “Lá vai ser bom porque vai ser nosso, mas na cidade a gente tem médico perto, é mais fácil conseguir consulta”, explica. A mãe deles não tem tanta certeza se quer voltar para a zona rural. “Eu sinto falta do sítio, mas é bem pouco”, afirma Francisca.

Os agricultores Joana Firmino e José Firmino Sobrinho moravam em uma casa vizinha à da filha, Cícera Firmino. O auxílio pago pelo governo federal, junto às aposentadorias de Firmino e Joana, ajudam a sustentar a família. Depois que se mudaram para a cidade, eles se uniram e compraram um terreno, erguendo um imóvel para todos. No segundo andar, ainda em construção, vai ser a casa de Cícera, que tem três filhos.

Cícera (E) optou por construir uma casa com os pais, José Firmino e Joana (Foto: Katherine Coutinho / G1)
Após se mudar para a cidade, Cícera (E) optou por construir uma casa com os pais, José Firmino e Joana (Foto: Katherine Coutinho / G1)

A opção por construir uma casa em vez de alugar um espaço enquanto a vila em que vão morar não fica pronta foi tomada para garantir facilidades às crianças. “Eu não pude completar meus estudos porque minha mãe não queria que eu ficasse na casa de um desconhecido na cidade. Quero que meus filhos tenham essa opção, terem onde ficar se quiserem estudar”, explica Cícera.

A casa nova em São José de Piranhas vai servir também para tirar umas “férias”, acredita José Firmino. “Comida na cidade é cara, quando a gente planta é melhor. Aqui é tudo comprado, e se não fosse a aposentadoria, ia ser muito difícil. O lado bom é que a escola das crianças [o neto caçula tem apenas dois anos] é mais fácil”, pondera o agricultor, que espera ver logo a água correndo pelos canais da Transposição. “Eu não tenho medo da fome, só da sede, porque fome você sempre dá um jeito, mas sem água não dá para ficar”.

Casa em que Cícera morava com os filhos (Foto: Katherine Coutinho / G1)
Da casa em que Cícera morava com os filhos sobraram apenas algumas paredes (Foto: Katherine Coutinho / G1)

A agitação diária com os netos e os cuidados com a casa distraem os avós, mas Joana afirma que não vê a hora de a casa nova ficar pronta na Vila Produtiva Rural. “Quero matar meu franguinho para comer no domingo. Sinto falta do riacho, de criar galinha, de ter farinha de milho dessas que a gente faz em casa mesmo”.

Depressão após mudança
Já os pais do caixa Damião Fernandez não quiseram nem cogitar morar nas proximidades do Centro depois de terem sido retirados da linha da Transposição. A casa que conseguiram é mais afastada da cidade, onde conseguem criar galinhas e porcos. “Minha mãe sente muita falta de poder criar bode, ela gosta muito da roça, vive fazendo planos para quando a casa [na VPR] ficar pronta, já sabe que animais comprar e tudo”, conta.

Damião Fernandez optou por ficar na cidade, enquanto os pais alugaram uma casa na zona rural (Foto: Katherine Coutinho / G1)
Damião Fernandez optou por ficar na cidade, enquanto os pais alugaram uma casa afastada do Centro (Foto: Katherine Coutinho / G1)

Outras famílias também tentaram morar na cidade, mas não conseguiram se adaptar à rotina. “Teve gente que caiu em depressão. Você só sabe escrever o próprio nome e trabalhar na roça, quando chega na cidade é difícil conseguir o que fazer. Além disso, morar no sítio é mais calmo. Apesar de aqui não ser uma cidade grande, fim de semana tem som, muito bar agitado”, explica.

A preocupação maior com a questão da depressão tem sido dos idosos. “Antes, eles se metiam no mato, corriam atrás de um animal, iam no vizinho bater papo. Agora, quem está na cidade fica sem ter o que fazer, passa o dia sentado na cadeira, olhando a rua”, lamenta Gerlândia Moraes, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, que tem acompanhado a situação das famílias de perto e buscado auxiliar, cobrando ações. “Eles tomam remédios, mas não resolve tudo”, afirma.

 

Fonte: Katherine Coutinho

Do G1 PE