Dos antepassados indígenas à modernidade, a tradição de repete por quatro gerações. A Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto comemora 176 anos, no passo trançado da cultura e da alegria de poder continuar o legado da família. Dos seis integrantes da banda, dois deles ainda fazem parte da terceira geração, que é o Mestre Raimundo Aniceto e Antônio Aniceto. Mas o mestre é o responsável pela condução do grupo e constrói os instrumentos. A banda é uma das mais representativas da cultura popular no Estado e já realizou apresentações pelo Brasil e Europa. Dividiu palco até com grandes nomes da música, a exemplo de Hermeto Pascoal e do grupo Quinteto Violado. Os Aniceto Mirim estão no rumo, também aprendendo, para dar continuidade ao legado.
Uma renovação do Sagrado Coração de Jesus, na casa de Mestre Raimundo, na noite de ontem, no bairro Seminário, em Crato, foi o grande momento dos festejos para marcar o aniversário, que rememora o mês de maio. A data mais precisa poderia ser em 10 de maio, mas Adriano Aniceto afirma que é no dia 1º de julho o marco de nascimento da banda. Descendentes dos índios Cariri, atualmente, é composta por José Vicente, Raimundo, Antônio, Cícero, Joval e Adriano Aniceto, todos agricultores. Da roça para a alegria de criar, Adriano, que há 20 anos participa da banda, diz que são muitos os números musicais e a dança que caracterizam o grupo de artistas. Antes eram quatro integrantes, mas foram acrescentados instrumentos além dos pífanos, que têm mestre Raimundo e Antônio Aniceto; o zabumba, com Adriano; a caixa com Cícero. José Vicente toca o tarol e os pratos ficam com Joval. A sonoridade diferenciada e o ritmo desses dois instrumentos encantaram os integrantes da bandinha. Foram adotados ao longo dos anos.
A principal inspiração para criar as danças e os sons vem da natureza. O canto dos pássaros, o rastejar de uma cobra, um camaleão ou o simples arrastar de uma enxada. "Mesmo com o trabalho pesado da roça, procuramos transformar isso em alegria e cultura", diz o zabumbeiro, ao ressaltar o carinho que a população tem de receber o grupo, que fez fama e se tornou um dos mais requisitados em apresentações de eventos. Mas, a tradição religiosa do grupo é o mais forte.
E não seria diferente a comemoração. Dentro da programação, além da reza, também foi apresentado um filme, em telão, no quintal da casa de Mestre Raimundo, sobre os mestres da cultura. A organização aconteceu com apoio da Organização não Governamental Carrapato Cultural. Um dos seus integrantes, Paulo Fuísca, da Secretaria de Cultura do Crato, afirma que a iniciativa tem como forma prestigiar uma das bandas cabaçais mais tradicionais da região. Mestre Cirilo, do reisado, e outros integrantes de bandas também estiveram presentes. É, segundo Paulo, um momento de encontro e congraçamento para a cultura popular.
A performance do grupo chama a atenção por onde ele passa. A dança diferenciada, o trançado, e um repertório para mais de dois dias, segundo Adriano, empolgam. Os números mais antigos e tradicionais, normalmente são feitos em pequenas apresentações. Mesmo com um repertório grande e que não para de aumentar, a dança da Cachorra, da Cobra e da Onça; Briga de Galo; Tirador de Abelhas; Severino Brabo; e a da Coruja e do Caboré estão entre as mais comuns nas apresentações.
O índio José Lourenço da Silva, avô lá atrás de Adriano, foi o criador do grupo. As danças tribais dos Cariri vem seguindo no prumo de todas essas décadas sem se abalar. Para Paulo Fuísca, essa velha tradição mostra uma forma de vida dos próprios integrantes da banda. "Conviver com o Mestre Raimundo é uma grande honra", diz ele. E essa marca tem um reconhecimento nacional. Ele cria e desenvolve os instrumentos do grupo, orienta no passo da tradição, ensina como seguir em frente. É o chefe, como traduz Adriano. Além disso, é reconhecido como Mestre da Cultura Nacional e Mestre da Cultura do Estado. "É do trabalho que tiramos a diversão", afirma Adriano. Talvez esse seja um dos grandes segredos para a marca da alegria deixada por mais de um século e meio por onde os Aniceto passam.
Fonte: Diário do Nordeste