Humanizado, solidário e cidadão

Júlio César Rolim (colunista do Radar Sertanejo)

Sou ouvinte assíduo de rádio, não só isso, sou fã e entusiasta da radiodifusão. Escuto diariamente, desde os jornalísticos até os programas musicais. Considero o rádio o mais charmoso dos veículos de comunicação.

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Enfim, eu estava, como costumeiramente faço, ouvindo uma FM da cidade de Campina Grande, no intervalo da programação, passou o comercial de uma clínica, depois de dizer as especialidades existentes, elencar as vantagens do ambiente, o anúncio joga a frase de efeito “aqui você tem atendimento humanizado”. A expressão dita com ênfase puxou minha atenção, logo vieram outras publicidades, mas, não fui capaz de percebê-las. Notei algo estranho naquela sentença. Como é possível ou aceitável que se possa fazer propaganda de estabelecimento médico com a máxima “atendimento humanizado”? Entendo que toda assistência em saúde deve ser humanizada, a valorização do ser humano é o mínimo a se esperar. Matutei sobre como é um procedimento desumanizado, ora, se existe o primeiro, o segundo parece-me necessário à justificativa da existência do anterior. Sei que se trata de marketing, e que se usa a palavra “humanizar” para diferenciar, ou marcar uma maneira melhor de atenção. Porém, na minha opinião, não deveria haver separação de conceitos que são intrínsecos às atividades.

Humanizar é um desses casos, os serviços de saúde, desde os simples aos de alta complexidade precisam estar ligados aos pressupostos de tentar deixar os pacientes o mais tranquilos possível, ou seja, atribuir nos tratamentos os aspectos humanos. Tanto faz se no SUS, no plano ou no dinheiro, se gripe ou câncer. Não conheço ninguém que vá a um hospital ou similar, por hobby ou lazer, todos quando ali chegam esperam e merecem, ao menos, um atendimento humanizado. Não é favor o poder público, e consequentemente seus agentes, cuidarem bem das pessoas que buscam soluções para suas aflições. Do mesmo modo, as empresas interessadas em prestar assistência clínica ou hospitalar devem ser norteadas pelo fato de estarem tratando com pessoas, muitas em situações de fragilidade. Portanto, para mim, o termo humanizar não pode ser a exceção, nem mesmo a maior parte, por essência, deve ser a regra.

Neste sentido, existem outros exemplos de uso de palavras de efeito na tentativa de diferenciar o que não deve haver diferenciação. É comum lermos, vermos ou ouvirmos notícias sobre as unidades de polícia pacificadora, ou, em casos, solidária. Ora, pacificar significa, dentre outras coisas, reestabelecer a paz. Entretanto, a paz e a solidariedade são fins comuns a todas as polícias. Nenhum profissional de segurança busca a guerra, por circunstâncias, pode até entrar numa, mas, não é esse o anseio. Assim como a solidariedade é primazia das forças de proteção social. Imagino como seria uma polícia não pacificadora ou não solidária.

Também já vi a “escola cidadã”. E todas não são? A cidadania é pressuposto básico para o processo educacional, é inconcebível uma instituição de ensino que não vise à formação de cidadãos e cidadãs, para muito além de conhecer ou exercer direitos e deveres, mas, a real conscientização de como se vive em sociedade. O conhecimento do coletivo acima do individual. A escola não é apenas a transmissora de conhecimento, é, na verdade, parte indispensável no desenvolvimento do ser humano, cidadão.

Compreendo que o uso dessas nomenclaturas são uma forma de enfatizar ou destacar algo, tentativa de apresentar o diferencial, mostrar um serviço melhor, mais eficiente. Contudo, acredito na existência de outras possibilidades eficazes para se demonstrar a qualidade pretendida, discordo, portanto, da utilização de palavras que fazem parte do caráter indissociável dos serviços. Uma saúde não humanizada, está doente; polícia não solidária, não tem como proteger; educação se não primar pela cidadania está completamente analfabeta.

Júlio César Rolim