Lazer, cidadania e qualidade de vida

O lazer é um conjunto de ocupações as quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se ou, ainda para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua participação social voluntária, ou sua livre capacidade criadora, após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais. Jofre Dumazedier (1976. P. 94)

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Colunista Giovanny de Sousa Lima – Foto: Divulgação

O lazer constitui-se em atributo profundamente importante e essencial para que o pleno exercício da cidadania, com efetiva qualidade de vida, possa ser materializado. Essa concepção, cada vez mais, deve permear tanto o funcionamento das esferas privadas quanto, principalmente, públicas.

No Brasil, abrangente parcela da população permanece, devido a múltiplos fatores, excluída da possibilidade de desfrutar também de oportunidades qualitativas de lazer, na medida em que milhões continuam, infelizmente, à margem das condições mínimas para a sobrevivência.

O salto qualitativo para uma “sub cidadania” para uma cidadania ativa, precisa ser operacionalizado em todo o território nacional. E tal fato deve estar correlacionado a esforços e lutas permanentes pelo aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito e da democracia, como valor universal. Ressalte-se ainda que, por estar fundada no pressuposto da participação, a cidadania ativa aglutina em torno de si uma forte dimensão educativa, que não pode ser desprezada ou negligenciada.

É notório que o restrito acesso de milhares de brasileiros(as) a condição de cidadãos e cidadãs continua a existir. Inclusive, também como decorrência da falta absoluta, ou as vezes restritas, de áreas ou espaços de lazer adequados. O que representa, em verdade, um obstáculo real à sadia qualidade de vida. A população brasileira não pode nem deve ser privada do direito de ter direitos. O remédio para a superação de tal anomalia é mais democracia, acima de tudo democracia participativa, com ampliação dos espaços e das formas de organização, participação e representação.

A produção e reprodução desta fundamental prática social que é o lazer, deve estar e permanecer consubstanciada por conteúdos culturais que agreguem, qualitativamente, novos conhecimentos e saberes às pessoas integrantes de todas as faixas etárias e classes sociais. O lazer esvaziado de cultura traduz-se como “pão e circo”, assistencialismo estéril e manipulatório, incapaz de aprimorar valores e normas de convivência.

Se o lazer, fundamentalmente, é uma prática que se insere na realidade socioeconômica, logo requer que seja planejado e executado de modo sistematizado, transparente e democrático, para que, simultaneamente, possa ensejar reais possibilidades de exercício fecundo da cidadania, e assegurar qualidade de vida para todas as pessoas.

As três dimensões do lazer, evidenciadas pela comunidade científica, precisam ser levadas em consideração: descanso, divertimento e desenvolvimento. E o processo de inter-relação entre elas, necessariamente, precisa ser articulado, construído.

A concepção de desenvolvimento humano adotada pelas Organizações das Nações Unidas (ONU), formulada a partir das ideias de Amartya Sem – Prêmio Nobel de Economia 1988 – destaca que: o principal objetivo do desenvolvimento não é o desempenho econômico, como muitos ainda pensam. O desenvolvimento, conforme este cientista pressupõe também o alargar das possibilidades de escolha das pessoas por meio da ampliação de conhecimentos e capacidades a serem utilizadas no acesso aos recursos necessários para que possam desfrutar, realmente, de uma vida longa, saudável, criativa.

Neste mesmo sentido, ressalta ainda que a ampliação das escolhas humanas no lazer implica a construção e realização de ações educativas com os beneficiários, ampliando seus conhecimentos sobre as oportunidades de lazer disponíveis em sua comunidade, as condições de acesso crítico e criativo a estas oportunidades, como também condições de atuação como agentes nestas próprias atividades e nos processos que influenciam suas vidas.

Essa compreensão, elucidada com bastante pertinência, integra o lazer às diferentes dimensões da qualidade de vida. É preciso, portanto, que superemos e eliminemos a oferta do lazer alienado, e façamos a substituição deste pelo lazer crítico e criativo. O lazer é um direito fundamental e como tal deve ser defendido, protegido, e promovido, de modo qualitativo e democrático.

Destaca-se ainda, como componente do processo de problematização em torno desta questão do lazer, que muitas vezes tal prática social tem sido motivo de preconceitos e discriminações. As tentativas de desqualificação, vincula-se a ideia de ócio, nas acepções negativas de inação, preguiça ou desocupação, gerando com isso, de modo leviano e subdesenvolvido, a propagação de concepções equivocadas, segundo as quais:

• O lazer seria menos importante que o trabalho, lamentavelmente tido como a dimensão mais importante da vida;
• O lazer, numa suposta escala hierárquica de necessidades humanas, seria menos importante que a educação, a saúde e o saneamento (Com certeza essas dimensões humanas são fundamentais, mas por que seria o lazer menos importante? Além disso, existem relações diretas e bastante significativas entre lazer e educação, lazer e qualidade de vida, as quais não podem ser descartadas ou obscurecidas);
• O lazer é um momento de ócio, de ficar parado, quando não um momento de alienação da realidade. Devemos estar atentos para perceber “que não fazer nada” é uma possibilidade nos momentos de lazer, mas não a única. (MELO, Alves Júnior. 2003, p. 29-30);

Quanto aos benefícios biopsicossociais do lazer, há inúmeros, mas destaco, resumidamente, alguns: desenvolvimento pessoal e social; melhoria das condições de saúde mental; combate ao sedentarismo; apropriação de conhecimentos e saberes que impulsionam um estilo de vida mais saudável; combate ao estresse físico e mental; produção de sensação de bem estar e equilíbrio mental; aumento da qualidade de vida do ser humano; e conexões entre corpo e mente tornam-se mais satisfatórias, equilibradas.

Como opções de atividades para o seu lazer, estimado leitor, sugere-se: ouvir música, dançar, fazer caminhadas regulares, fotografar, ler livros, frequentar bares e restaurantes, museus, centros culturais diversos, praticar esportes, ir regularmente ao cinema e teatro, fazer piqueniques, viajar (sempre que possível), pescar, praticar turismo ecológico e de aventura, entre outras opções.

O lazer é, portanto, um processo vital polivalente, multiforme, multicultural. Uma cultura adquirida socialmente, desenvolvida não apenas no convívio social, mas também inserida, concretamente, na memória cultural dos homens e mulheres através de manifestações expressadas coletivamente, pelas suas práticas.

Segundo o sociólogo francês Jofre Dumazedier (1976), o lazer completo possui caráter libertário, de livre escolha; caráter desinteressado, sem fim lucrativo; caráter hedonístico, de satisfação; caráter pessoal, onde as expectativas superam as necessidades. Classifica o lazer em quatro tipos, conforme o tempo disponível: lazer do fim do dia, do final de semana, do final do ano, e do fim da vida.

Portanto: VIVA O LAZER! VIVA AO LAZER!

Giovanny de Sousa Lima