Corrupção, uma leitura doméstica

A sociedade não é mais do que o desenvolvimento da família: se o homem sai da família corrupto, corrupto entrará na sociedade.
(Henri Lacordaire)
Francisco Jarismar de Oliveira (Mazinho)|Colunista

Como bem anuncia o francês Jean-Baptiste-Henri Dominique Lacordaire, o embrião da corrupção pode estar na família. E essa afirmativa do religioso nos arrepia pelo chamamento à reflexão que nos toma de sobressalto. Até então apontamos a corrupção como uma criação exógena. Uma construção que se dá de fora para dentro das nossas vidas. Daí a reflexionarmos sobre a possibilidade dessa mazela nascer nos lares é assustador. Afinal, quando começamos a concebê-la?

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O nosso país vivencia um instante de assombramento. Em sua curta história o Brasil já corre o risco de tornar a corrupção um “patrimônio imaterial da nossa cultura”. São mais de quinhentos anos de favores, gentilezas, jeitinhos que permeiam – quando não conduzem – as relações em sociedade. Isto remonta ao descobrimento quando Pero Vaz de Caminha encerra a Carta do Achamento com um pedido, uma graça, uma mercê solicitada a El-Rei D. Manuel que transcrevo: “- (…) a Ela (Sua Alteza) peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro – o que d’Ela receberei em muita mercê”. Outro fato reside em quando ao chegar ao Brasil, em 1808, D. João VI foi “presenteado”, por um traficante de escravos com a melhor casa da Quinta da Boa Vista, localização privilegiada do Rio de Janeiro, o que garantiu ao doador Elias Antônio Lopes a pompa de “amigo do rei”, seguida de todas as benesses de que possa usufruir tal intimidade.

Contudo, a corrupção não está em nenhum código genético, não é exclusividade de nenhuma nação. É um atributo do comportamento humano que pode ser desenvolvido ao ser estimulado, ou retraído ao ser enfrentado. Cabe a nós, em nossos lares determinarmos os desdobramentos dessa condição.

Sócrates nos alerta que “é mais fácil corromper do que persuadir”. Vejamos, em casa compramos o desempenho escolar dos nossos filhos com presentinhos. Cobramos o bom comportamento em troca de promessas (ou ameaças), com isso orientando-os, de forma irrefletida, a manter um comportamento semelhante na sua vida íntima e em sociedade. A corrupção tem, sim, sementes no seio familiar e se não mudarmos a mente e as atitudes ela continuará a crescer e dar frutos. Estamos a colhê-los neste instante em nossa estupefata pátria.

Devemos educar nossos filhos para serem os futuros dirigentes da nação. Devemos guiar-lhes os passos enaltecendo e alimentando as suas qualidades competitivas embasadas na moral e no bem comum, ao mesmo tempo em que reforçamos as suas defesas diante das fraquezas materiais e egoísticas. Regar-lhes, dia após dia, o respeito e o amor pelo próximo, instruindo-lhes na consciência do dever cívico como compromisso público maior, para o qual todos devem estar prontos a assumir a qualquer tempo e hora. E nunca, nunca mesmo, conceituar-lhes a missão política como vergonhosa ou de homens de má índole. É disso que a corrupção se alimenta e é isso que nos mantêm distanciados das decisões importantes para nossa nação.

Precisamos esclarecer-lhes que este país foi construído de cima para baixo. Onde as massas populares não opinaram. Num passado recente, maior parte da população não teve acesso à educação. Ainda sofremos essa consequência no presente. A corte portuguesa desembarcou em uma terra com 99% de analfabetos, em 1808. Esse número só diminuiu 10% em 1889, ano da Proclamação da República. Só quebramos à metade em meados da década de 1950. Portanto muito dos desvarios governamentais, entre eles a corrupção, está plantada nessa herança maldita da não participação do povo nas decisões.

Finalizando, o psicólogo e jornalista Luiz Hanns nos aponta a corrupção em três aspectos: sistêmica, sedimentada no mau caráter das pessoas e suas consequências; endêmica, por estar capilarizada em toda a sociedade, e a sindrômica que repousa sobre a burocratização excessiva do país como fator aliciador do “jeitinho brasileiro”. Assim, acreditamos que o combate ao mal deve acuar esses três níveis simultaneamente com a certeza de que não é um presidente, um governo, que fará isso sozinho. A família é o berço onde devemos horrorizar o racismo, a homofobia, a intolerância e toda e qualquer forma de “arrumadinho” que gere vantagens indevidas.

FRANCISCO JARISMAR DE OLIVEIRA (Mazinho)
Licenciado em História pela UFPB
Servidor Público Federal do IFPB